Advogados brasileiros estão sendo apresentados a um novo Movimento Integrativo do Direito. O conceito está sendo introduzido pela advogada americana J. Kim Wright que está no país para dois treinamentos inéditos em Contratos Conscientes em agosto: um em São Paulo, realizado semana passada e outro no Rio de Janeiro, que acontecerá até quarta-feira, 28 de agosto.

O treinamento em Contratos Conscientes é uma abordagem, dentro do campo Legal, voltado aos negócios e às empresas que apostam no valor das relações, dos propósitos e que, principalmente, entendem que o lucro é importante, porém, mais importante ainda é a geração de valor a todos os stakeholders (atores da cadeia de relação das empresas), a exemplo dos consumidores, fornecedores, acionistas, colaboradores e da própria sociedade.

J Kim Wright há 25 anos vem se dedicando a temas como justiça restaurativa, desenho de sistemas, mediação de conflitos, práticas colaborativas, dentre outros. Em suas incontáveis viagens, para treinamentos, palestras, conferências e congressos, em países como Índia, Austrália, Holanda, Itália, África do Sul, Espanha, Reino Unido, Nova Zelândia, Japão e outros mais, Kim vem fomentando uma rede de profissionais que ela intitula como “legal changemakers”.

Seu trabalho foi ficando cada vez mais reconhecido e, desde então, já editou dois livros pela American Bar Association (Associação Americana de Advogados com mais de 400 mil advogados associados): Lawyers as Peacemakers, Practicing Holistic, Problem-Solving Law, considerado um bestseller de vendas, e Lawyers as Changemakers, The Global Integrative Law Movement (ABA Publishing, December, 2016).

Ela é reconhecida como uma líder global no Movimento Integrativo para transformar as práticas legais. Kim se considera uma conectora de advogados e, segundo ela, a evolução está acontecendo em todos os lugares. “Existe uma nova consciência que está surgindo no mundo e os advogados fazem parte dela. Estamos criando um sistema de práticas legais para uma nova sociedade consciente e integrativa”.

Kim é formada em Direito pela Universidade da Flórida, iniciou carreira em 1989 e desde 1994 é membro ativo da Associação de Advogados da Carolina do Norte. Entrou na Faculdade de Direito aos 29 anos para ser uma agente de mudança. Sua carreira tem se concentrado em abordagens plurais, sendo pioneira na adoção de sistemas de mediação, justiça restaurativa, resolução criativa de problemas e em contratos conscientes.

Os relacionamentos e os encontros humanos sempre produziram e sempre produzirão atritos e situações de conflitos, uma vez que são substratos naturais do ato de convivência. Diversas civilizações e sociedades estabeleceram, dentro de seus sistemas legais, mecanismos para lidar com os incontáveis tipos e configurações de desavenças, disputas e de violências ocorridos no âmbito de suas comunidades.

A sociedade moderna, à luz dos últimos séculos, concebeu prioritariamente fórmulas adversariais, competitivas, argumentativas, pré-formatadas, baseadas em critérios mais estáticos de moralidade, legalidade e justiça, como meio de tratamento dos conflitos, assim influenciando a formação dos advogados e dos demais profissionais do campo jurídico, que foram moldando a atividade legal dentro de padrões rígidos.

Ao que dizem, após os desastres produzidos pelas duas grandes guerras mundiais, pelo holocausto, pela guerra fria, frente aos temores mundiais de destruição em massa, dentre outros fatores, as bases racionais e pré-definidas da modernidade passaram a ser questionadas. Afinal de contas, as promessas da modernidade e do racionalismo acabaram caindo por terra.

Nesse contexto, surgiram novos clamores sociais, novas configurações sociais, novas formas de relacionamento. A produção e geração de informação passou a se dar em uma quantidade assustadora, em recortes para muito além de simples globalização, diante da internet e das redes sociais.

Muitos profissionais do campo jurídico passaram a sentir a ineficiência do sistema concebido à luz da era racional e moderna, passando a buscar formas de inovação do sistema. Sem necessariamente substituir o modelo tradicional de solução dos conflitos, mas integrando-o a novas abordagens e métodos, foi possível notar um crescimento de práticas voltadas ao lado mais humano das dores sociais, com preocupações que foram para além do punitivismo e da repressão.

Atualmente muitos profissionais da área jurídica despertaram para a possibilidade de darem outro Norte para suas atividades, prestando serviços em outras bases conceituais, agregando mais significado existencial ao campo do Direito e às suas próprias vidas. Significados além do padrão racional, adversarial que alcançaram a colaboração e a restauração das relações, com a possibilidade de cura e recomposição dos tecidos sociais.

Falando em Contratos Conscientes, é importante esclarecer que os contratos podem ser baseados em valores e propósitos, com linguagem simples, para que possam conectar as pessoas e construir relações claras, duradouras e justas.

O modelo tradicional de concepção de contratos já está sendo largamente questionado e é eminente e necessária a mudança de mentalidade, perspectiva e de paradigma. Empresas de pequeno, médio e grande porte podem alinhar seus documentos legais com os valores que elas efetivamente cultivam, criando relacionamentos sustentáveis, de longo prazo e com ganhos significativos na criação de alianças.

Já existem diversos casos de sucesso, em outros países, de empresas que implementaram contratos conscientes em seus negócios, ampliando enormemente a satisfação de seus clientes, de seus colaboradores, pois as bases dos contratos passam a ser a relação humana, o que as pessoas realmente desejam e acreditam.

Os contratos se tornam vivos, apontam os caminhos e os trilhos de como as pessoas esperam ser tratadas e de como podem trabalhar juntas, em prol de propósitos compartilhados. Mas é importante esclarecer que, para muito além de um pedaço de papel, o fundamental está na mudança de cultura, na transformação das pessoas, para um sistema de colaboração e maior conexão, sendo esse o maior desafio.

O modelo é muito útil para questões societárias, de startups, pois os sócios podem estabelecer bases mais claras de seu relacionamento, mediante acordos de quotistas que sirvam de guias mais eficientes para o relacionamento. Para investidores estrangeiros, que possuem diferentes culturas e valores, é possível obter mais clareza mediante a utilização desses processos e modelos de construção da relação.

Dentre o Movimento Integrativo e dos advogados como “legal changemakers” estão relacionados temas como: Contratos Conscientes, Práticas Colaborativas, Justiça Restaurativa, Justiça Terapêutica, Direitos da Natureza, Mediação e Conciliação de Conflitos, Desenho de Sistemas, Economia Compartilhada, Novas Tecnologias, Constelação Sistêmica, Círculos de Construção de Paz, Processos de Construção de Consenso, Negociações Estruturadas, Mindfulness and Law, Inteligência Emocional, Comunicação Não-Violenta etc.

*Marcello Rodante é advogado tendo voltado sua atuação nos últimos 10 anos à negociação de interesses, ao estudo dos conflitos humanos, familiares e empresariais. É cofundador do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas

Fonte: O Estado de S. Paulo – 27/08/2019, 06h00. – Link da matéria completa – https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/novas-praticas-legais-e-as-oportunidades-de-se-fazer-a-diferenca/

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